Não será inverosímil
presumir que num dos órgãos onde mais se prossegue, invoca e afirma a verdade,
possa acontecer, grosseira e escandalosamente, a mentira.
Não é, igualmente,
inverosímil constatar que nos locais onde mais se trabalha, enuncia e procura a
saúde, se assuma consistente e definitivamente a doença.
Não será, ainda,
inverosímil acreditar que onde mais determinante é observar e traduzir a
coerência, mais se sobrestime a incoerência.
Há dias, num dos
programa/debate subsequentes à eleição do próximo Presidente da República, dois
constitucionalistas, assim ditos pela apresentadora e não contrariado pelos
próprios, debatiam, a determinado tempo, a inconstitucionalidade ou
constitucionalidade do último ato do atual Presidente da República relativo a
uma Lei da Assembleia da República.
Lembravam, do
alto da sua cátedra, que os tempos constitucionais se contam seguidos e, assim,
se o documento foi enviado a 30 de dezembro, então seria inconstitucional, mas
se foi remetido a 4 de janeiro, então seria constitucional.
Perguntei-me, na
altura, não ignorando a relevância e caráter perentório dos prazos no exercício
do direito, como se comportariam estes dois ilustres constitucionalistas
perante um ou mais cidadãos que, não obstante o seu desconhecimento, possam
viver sem abrigo em alguma cidade portuguesa.
Amanhã, o
primeiro sucederá ao último, mas não será incoerente, pois o calendário não
carece de interpretação constitucional e está definido desde tempos imemoriais.
Jorge Ventura